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Tudo pelo trabalho. Até o limite.

19 abril 2012

por Julio Caldeira

 

 

 

Distúrbio de ordem emocional e psicológica, a Síndrome de Burnout tem o trabalho como elemento desencadeador. O principal equívoco é confundi-la com a depressão, que é uma doença “mais orgânica e que às vezes já faz parte da pessoa”, nas palavras da psicóloga clínica Marlene Asevêdo Passos de Alencar. No caso da Síndrome de Burnout (algo como “queimar por completo”, em tradução livre do inglês), o quadro também é de esgotamento físico e mental, mas a causa “está intimamente ligada à vida profissional”, segundo definiu o psicanalista nova-iorquino Herbert J. Freudenberger (1926-1999), um dos primeiros a diagnosticar o distúrbio, no começo dos anos 70. “A profissão do indivíduo e seu local de trabalho contribuem muito para que o distúrbio se desenvolva”, complementa Marlene.

 

No princípio, achou-se que apenas profissionais das áreas de saúde e educação – médicos, enfermeiros, professores – estivessem sujeitos à doença. No entanto, embora essas áreas ainda concentrem o maior número de casos, hoje se sabe que ela pode aparecer em qualquer ramo de atuação em que o trabalhador é submetido a altos níveis de estresse.

 

De acordo com a também psicóloga Ana Maria T. Benevides Pereira, especialista em medicina do trabalho e pesquisadora do Grupo de Estudos sobre Estresse e Burnout (Gepeb), ligado à Universidade Estadual de Maringá (UEM), é possível falar em um perfil de profissional que mais particularmente está sujeito a apresentar o distúrbio. A dedicação exagerada à atividade profissional e o desejo excessivo de ser o melhor e de sempre demonstrar alto grau de desempenho estão entre as características. Mas é bom, no entanto, não confundir com algum preço pago pela ambição desenfreada. Muitas vezes, só o esforço compreensível para ser um bom profissional pode colocar o indivíduo no alvo. “Normalmente, são pessoas mais idealistas, que têm muita empatia pelos outros, adoram o que fazem e se entregam ao trabalho com tal satisfação que não percebem a hora de parar”, prossegue Ana Maria, também autora do livro Burnout: Quando o Trabalho Ameaça o Bem-Estar do Trabalhador (Casa do Psicólogo, 2010).

 

 

Assim, aquele excelente funcionário é justamente o mais sujeito a apresentar o distúrbio. Engana-se quem pensa que o burnout está ligado à insatisfação no emprego. Os especialistas informam que profissionais realizados, felizes com o que fazem e com suas organizações também devem ficar atentos. “Aí está um problema bastante sério. Como a pessoa gosta muito do que faz, ela vai tentando contornar os problemas para se manter no ambiente de trabalho. E quando ela se dá conta não está mais aguentando”, avalia Ana Maria.

 

Os sintomas da Síndrome de Burnout também podem confundir. Eles variam de pessoa para pessoa. Segundo a especialista, tudo pode começar com incômodos físicos e mudanças de comportamento que tendem a se confundir com cansaço. No entanto, no caso do burnout, a tendência é que esses indícios se acumulem e tornem-se cada vez mais agudos, a ponto de a solução ser bem mais complicada do que alguns dias de folga.

 

Fisicamente, a especialista explica que, como cada um de nós tem o que ela chama de órgão-alvo – “aquele que primeiro se manifesta quando a gente tem alguma dificuldade” –, o burnout pode aparecer na forma de dores de cabeça ou aumento da pressão arterial ou dores no estômago. Já no que diz respeito ao comportamento, a impaciência com os colegas, a irritabilidade e até mesmo um cinismo excessivo podem ser indícios. “Principalmente em pessoas que não são assim”, informa Ana Maria. “Ou seja, a pessoa vai se transformando no ambiente de trabalho.” Mas é sempre bom esclarecer que esses são apenas alguns exemplos dos diferentes sintomas. Diante de qualquer desconfiança, um especialista deve ser consultado.

 

 

Medicamentos e mudança de hábito

 

 

 

 

Uma vez que se trata, por definição, de uma doença do trabalho, seria natural que o mundo corporativo se preparasse para ela. Mas, ao menos até agora, não é o que se vê. Na análise da especialista em Recursos Humanos Priscilla Telles, gerente executiva da empresa de consultoria Ricardo Xavier, a maioria das empresas não está preparada para perceber o problema “num momento em que a situação ainda não está sendo prejudicial para a carreira do profissional e para os resultados da empresa”, conforme coloca. E o motivo decorre da falta de informação acerca das doenças emocionais e psicológicas. “Quando a gente fala de empresas, do mundo dos negócios, as corporações – na verdade, toda a sociedade – não estão preparadas para assumir que problemas psicológicos e psiquiátricos existem, mas não invalidam as pessoas”, afirma Priscilla. Tal postura ainda leva a outro agravante: muitos profissionais acabam escamoteando os sintomas por tempo demais com receio de serem julgados ou até mesmo demitidos.

 

Para a consultora, no entanto, é papel das organizações darem suporte ao funcionário diagnosticado. Os principais agentes envolvidos, explica, seriam o chefe direto, o departamento de recursos humanos e a diretoria, nesta ordem. “Os superiores imediatos precisam estar preparados para gerir as pessoas com suas características individuais”, justifica. “Os RHs podem agir com toda a empresa – por meio de ações de estímulo a uma alimentação saudável, realização de atividade física etc. E a diretoria, que deve sempre se comunicar com os recursos humanos.”

 

O tratamento da Síndrome de Burnout inclui desde medicamentos até mudanças de hábitos. Posto isso, muitos são os profissionais que podem ser procurados depois do psiquiatra, a exemplo do psicólogo e até mesmo do nutricionista e do personal trainer – afinal, boa alimentação e atividades físicas regulares fazem bem tanto para o corpo quanto para a mente. Para Ana Maria Benevides, tudo pode começar com uma autoavaliação. “Tentar perceber como você se sente com relação ao trabalho, em que momentos se sente pressionado, tenso, o que te incomoda na hora de sair de casa e o que ainda te preocupa quando você volta.”

 

A especialista dá outras dicas que ajudam a “criar imunidade” contra a doença: dormir o tempo necessário, não pular as férias, preservar os finais de semana – “mas para atividades prazerosas, não para ficar no sofá vendo TV até chegar segunda-feira”, ter um hobby e, por fim, manter sempre os amigos e a família por perto. “São essas coisas que te dão suporte na hora que em que surgem dificuldades no trabalho”, conclui.

Fonte: Tudo pelo trabalho. Até o limite.