OIT ainda encontra desafios em sua 100ª conferência
OIT ainda encontra desafios em sua 100ª conferência
Final da segunda década do século XX. O mundo acabara de presenciar um dos maiores embates bélicos já vistos, a Primeira Guerra Mundial. Em 1918, a rendição alemã e a assinatura do “Tratado dos Catorze Pontos para a Paz”, apesar de não selarem definitivamente as questões abertas com o conflito, põem fim à guerra.
No ano seguinte, a criação da Liga das Nações representou o primeiro instrumento coletivo criado para o exercício dos direitos humanos, com o objetivo de servir como árbitro para a manutenção da justiça e do direito internacional, ainda que o ingresso de países na organização, à época, se limitasse aos aliados.
Naquele mesmo ano, a Organização Internacional do Trabalho foi criada como parte integrante da Liga – futura Organização das Nações Unidas (ONU) -, com a posterior aprovação da primeira convenção que regulamenta a duração do trabalho e estabelece a famosa jornada diária de 8 horas.
A partir daí, a OIT passou a se posicionar como organismo de ação política e legislativa internacional a fim de garantir a proteção às relações de trabalho. As convenções, criadas e debatidas em conferências que abordam temas relevantes ao mundo laboral, podem ser consideradas tratados multilaterais abertos e podem receber um número ilimitado de ratificações pelos Estados-Membros.
Mas não há debate sem discordância, e nem sempre as convenções propostas são aceitas pela maioria dos participantes. Assim, faz-se recomendações para uma aceitação maior dos Estados, fazendo com que as convenções tomem a forma de sugestões, como um programa ou objetivo a ser seguido pelos países.
Direitos humanos dos trabalhadores, relações coletivas de trabalho, seguridade social, igualdade e condições de meio ambiente de trabalho. Esses são alguns dos temas amplamente discutidos nas conferências realizadas ao longo de 92 anos.
As mais notáveis evoluções no mundo do trabalho passaram pelas conferências da OIT. Em 1929, em plena crise econômica mundial, o 16º encontro buscou soluções para o desemprego em massa causado pela quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque, ocasionando a criação do seguro-desemprego.
Em 1948, a liberdade de associação foi o principal tema discutido após a Declaração de Filadélfia, que abriu precedentes para a liberdade sindical. O direito de organização e de greve, profundamente ligado à democracia, não poderia existir sem as mudanças políticas trazidas pelos encontros.
A luta contra o trabalho de crianças, iniciado na década de 70, bem como a promoção pela igualdade de sexos no mercado de trabalho, representaram bandeiras importantes da OIT e inauguraram paradigmas em convenções inéditas em um mundo bastante conservador.
E assim, seguidamente, ano a ano, novas diretrizes para o mundo do trabalho passaram a ser traçadas, a fim de que a dignidade e a decência fizessem parte do dia a dia do trabalhador.
Mas para o ano de 2011, um tema já abordado na conferência do ano passado, porém controverso, iniciou as discussões por delegações de todo o mundo: o trabalho doméstico. Em sua 100ª edição, o encontro também tem como temas centrais a proteção social, a inspeção do trabalho e o trabalho decente.
O Brasil, uma das poucas nações que possui legislação específica para a categoria dos domésticos, vê vantagens em ratificar uma convenção sobre o tema, se aprovada. Segundo o assessor especial para assuntos internacionais do Ministério do Trabalho e Emprego, Mario Barbosa, a adoção de uma norma internacional pode contribuir para o fortalecimento da categoria e estabelecer diretrizes importantes para a regulamentação da profissão. “O foco de discussões em torno da convenção está relacionado à definição jurídica do empregador, que geralmente é uma pessoa física e não se considera representante do empregado doméstico”, aponta.
Ao contrário das demais edições, que viram a centralização das discussões no embate capital versus trabalho, a figura do empregador assume a forma de uma pessoa, não de uma empresa, o que pode afastar posições favoráveis à norma. “Esse é um dos motivos porque não há a representatividade sindical. A convenção seria um instrumento de regulamentação e representação da categoria”, observa Barbosa.
Contudo, em relação aos demais países, o Brasil alcançou avanços significativos no tocante ao trabalho doméstico. A diretora geral do escritório da OIT no Brasil, Laís Abramo, observa que as nossas leis propiciam um respaldo importante aos domésticos, com acesso à Previdência Social, à licença maternidade e ao recebimento de ao menos um salário mínimo. Mas ainda há um longo caminho a ser trilhado. “O grande problema que existe no Brasil é que, apesar da legislação ser mais avançada em relação a outros países do mundo, ainda há uma porcentagem reduzida de trabalhadores domésticos que possuem carteira de trabalho assinada, equivalente a menos de 30% do total, deixando-os sem acesso aos seus direitos”, pontua.
A embaixadora do Brasil na ONU, Maria Nazareth Farani Azevedo, diz que a delegação brasileira tem bastante relevância nas discussões sobre o tema na OIT, e descarta a argumentação de que uma possível regulamentação não beneficiaria a economia mundial. “O fato de não haver uma regulamentação específica para a categoria de domésticos representa uma lacuna que a OIT e as Nações Unidas têm de suprir, e o Brasil é um importante ator nessa construção” afirma.
O procurador-geral do Trabalho, Otávio Brito Lopes, chefe administrativo do Ministério Público do Trabalho, acredita na ratificação de uma norma internacional pelo Estado brasileiro, e ressalta que o trabalho doméstico finalmente está sendo colocado em um plano de maior relevo. “A comunidade internacional percebeu a necessidade de combater a discriminação que existe em relação aos trabalhadores domésticos. Acredito que a conferência mudará a abordagem do assunto e as questões pertinentes à categoria no Brasil”, finaliza.
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