Doutora em Saúde Ocupacional fala da tripla carga de doenças
Data: 06/09/2013 / Fonte: Revista Proteção
A doutora em Saúde Coletiva e Ocupacional Elizabeth Costa Dias tem se dedicado à área de saúde do trabalhador em seus mais de 40 anos de atividades na área.
Do início dos anos 70 quando cursou a especialização em Medicina do Trabalho na Faculdade de Saúde Pública da USP, guarda com carinho o convívio e o aprendizado com o professor e médico Diogo Pupo Nogueira.
Outro marco foi o ano de 1983 quando atuou junto ao recém-criado Ambulatório de Doenças Profissionais do Hospital das Clínicas da UFMG, pioneiro naquele estado e um dos primeiros no país.
Hoje Elizabeth está aposentada, mas mantém suas atividades de pesquisa, ensino e orientação como professora no Departamento de Medicina Preventiva e Social da UFMG e no Centro de Estudos em Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana da ENSP/Fiocruz, além de assessorar o Ministério da Saúde, a Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais e a OPAS em temas relacionados à saúde do trabalhador.
Na entrevista, ela diz que os serviços de saúde têm um desafio ainda maior com a chamada tripla carga de doença: doenças velhas como a silicose, doenças novas como as LER DORT e a violência no trabalho, que cresce de modo alarmante.
Em julho, ela lançou o livro “Saúde do Trabalhador na Atenção Primária à Saúde: possibilidades, desafios e perspectivas”, que traz os resultados do trabalho desenvolvido junto à Coordenação de Saúde do Trabalhador do Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e do Trabalhador do Ministério da Saúde.
A intensificação do trabalho é uma das características atuais. A senhora acha que isto tem contribuído para uma mudança no perfil do trabalhador brasileiro e de sua saúde?
A intensificação e a precarização dos vínculos e das condições de trabalho são marcas do processo de reestruturação produtiva, que ocorre em escala global, a partir dos anos 90. Este processo, mediado pelas tecnologias e novas formas de gestão do trabalho, acarretam grandes repercussões sobre as condições de vida e o perfil de saúde dos trabalhadores.
Um dos seus efeitos mais dramáticos é a precarização dos vínculos e das condições de trabalho. O cenário é complexo, uma vez que coexistem no país variadas formas de produção e processos produtivos, em cadeias produtivas que incorporam desde o trabalho artesanal – muitas vezes informal e dentro do domicílio do trabalhador -, processos fordistas e tayloristas, a automação e a robótica, nos quais a saúde e as condições de trabalho e segurança estão geralmente colocadas em segundo plano.
Qual a sua percepção sobre a realidade atual com relação ao atendimento da saúde dos trabalhadores no país?
Vivemos tempos paradoxais em que podem ser observados indiscutíveis avanços na atenção à saúde dos trabalhadores, porém a desigualdade ou a iniquidade constituem o maior desafio a ser vencido. A PNSST (Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho), assinada pela presidenta Dilma Rousseff e publicada em 2011, é sem dúvida um grande avanço.
Pela primeira vez em nosso país, um documento oficial define objetivos e diretrizes para a questão, especifica papéis e atribuições nas esferas da Previdência Social, do Trabalho e Emprego e da Saúde. A PNSST avança ao prescrever a cobertura ou a proteção social para o universo dos trabalhadores brasileiros, que representa na atualidade cerca de 100 milhões de pessoas, mas deixa a desejar ao considerar opcional a participação de empregadores e trabalhadores nos processos de formulação, planejamento, execução e avaliação das ações, entre outros aspectos.
A participação dos trabalhadores é essencial em todos os momentos de definição e operacionalização das políticas. Costumamos dizer que ninguém conhece mais sobre o trabalho e seus efeitos sobre a saúde do que o próprio trabalhador. Assim, o saber e a experiência dos trabalhadores precisam ser considerados quando tratamos da Saúde e Segurança no Trabalho.
O atendimento à saúde do trabalhador no âmbito do SUS pressupõe a ampliação do cuidado à saúde ao universo de trabalhadores, incluindo aqueles que atuam na informalidade. Em que etapa estamos hoje, com relação a este objetivo?
A universalidade é um dos princípios básicos e estruturantes do SUS. Ele é prescrito pela Constituição Federal de 1988 e regulamentado pela Lei Orgânica da Saúde de 1990. Entretanto, lamentavelmente estamos longe de conseguir que uma atenção integral com resolutividade e que considere a inserção particular nos processos produtivos esteja disponível para todos os trabalhadores.
Ela envolve ações de promoção, proteção, prevenção, vigilância, assistência e reabilitação da saúde. O SUS vive um momento importante de redefinição do modelo de atenção, no qual é atribuído à Atenção Primária em Saúde o papel de orientadora da rede e coordenadora do cuidado em saúde. De certo modo, significa a retomada e ressignificação da proposta discutida na Conferência Internacional de Alma-Ata, que ocorreu no Cazaquistão em 1978, de se levar o cuidado à saúde o mais próximo possível de onde as pessoas vivem e trabalham.
Fonte: Doutora em Saúde Ocupacional fala da tripla carga de doenças
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