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Doenças Ocupacionais – O trabalho pode ser determinante para a ocorrência de câncer

18 março 2011

Doenças Ocupacionais – O trabalho pode ser determinante para a ocorrência de câncer

18/03/11

 Ao folhear as páginas amareladas de um velho caderno, José Antonio Domingues, 72 anos, e Eliezer João de Souza, 69 anos, vão se lembrando dos amigos que perderam. Ao ver a ficha de José Alves de Souza, Eliezer conta que esse amigo morreu de mesotelioma, câncer diretamente relacionado ao amianto e que atinge a pleura, espécie de camada de revestimento do pulmão, ou ainda o pericárdio ou peritônio. Lembram-se de outras vítimas. Quatro eram diretores da Abrea (Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto). Desses, três morreram por câncer. Valmir Felonta teve câncer de laringe. Aldo Vicentino e José Roncadin tiveram mesotelioma. Outros nomes são recordados. Sebastião Aparecido da Silva, ex-trabalhador da Brasilit, de São Caetano do Sul, teve câncer em um dos pulmões e asbestose no outro. Também morreu. Outros três amigos que se foram eram de São José dos Campos, ex-trabalhadores da Avibras, dos quais dois tiveram mesotelioma.

O relatório traz nome, endereço e resultados de exames médicos de trabalhadores do amianto e, junto com os dados, as memórias. Eles procuram os registros de José Domingues, o sobrevivente. Para se livrar do tumor, tirou um pulmão em 2002.

A cirurgia de José Domingues foi realizada às pressas no Instituto do Coração do Hospital das Clínicas de São Paulo, assim que o câncer de pulmão foi diagnosticado. “Fiquei sem um pulmão, mas fiquei com a vida”, celebra o homem de 72 anos, que confessa ainda ter medo de algo aparecer no pulmão que restou. Com o mesmo medo, convive Eliezer, que não teve câncer, mas já fez cirurgia por causa de placas pleurais. “Hoje estamos bem, mas de um dia para o outro pode aparecer alguma coisa. A nossa luta agora é pela prevenção. Não queremos que as pessoas se contaminem. O amianto tem que ser banido para não continuar matando. Muitos amigos morreram contaminados. Pior é saber que muitos ainda vão morrer e que outros se foram sem saber que o amianto é cancerígeno”, lamenta Eliezer, que preside a Abrea.

A história de Domingues com o amianto começou em 6 de agosto de 1976. Nessa data, foi admitido pela Eternit em Osasco/SP. Na empresa, ficou 15 anos, saindo apenas em 1991. “Quando entrei não havia comentários sobre os riscos, só soubemos quando a fábrica já estava para deixar Osasco”, conta José. O seu primeiro relatório médico, arquivado na Abrea, data de 1997. Na época ele tinha 59 anos e foi detectada uma limitação crônica ao fluxo aéreo. A Associação funcionava como elo de ligação entre os trabalhadores expostos, o Hospital das Clínicas e a Fundacentro. Foi esse acompanhamento médico que permitiu a descoberta do câncer em 2002. “O médico me disse, após a operação, que se eu não tivesse feito a cirurgia, não duraria 15 dias. Quando fui internado, fiquei apavorado, pois eu nunca tinha sido internado na vida”, relembra. Passado o período de adaptação, esse baiano de nascimento, que vivia em Osasco, acabou mudando-se para o interior de São Paulo, onde poderia respirar um ar mais puro. 

Complexidade
Assim como José e Eliezer desconheciam o risco da exposição, muitas pessoas não sabem que várias substâncias carcinogênicas para os seres humanos estão presentes nos mais diferentes ambientes de trabalho. “A
Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC 2010) aponta pelo menos 64 agentes ocupacionais e ambientais, grupos de agentes, e misturas, como reconhecidamente cancerígenos para seres humanos – Grupo 1, dentre os 107 listados”, afirma a epidemiologista e gerente da Área de Vigilância do Câncer Relacionado ao Trabalho e ao Ambiente do Instituto Nacional do Câncer (INCA), Ubirani Otero.

A relação entre câncer e trabalho tem um cenário complexo. O adoecimento, quando acontece, aparece muito tempo depois da primeira exposição e nem sempre se faz o nexo ocupacional. Além disso, a ocorrência do câncer depende de fatores genéticos,  ambientais – que inclui questões como o ar, a água, o local de trabalho – e do estilo de vida. Uma estimativa da OIT de 2000 apontou que de 2.256.335 mortes relacionadas ao trabalho, 634.984 foram causadas por neoplasias malignas. Já a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2007, destacou que cerca de 200 mil pessoas morrem de câncer relacionado ao trabalho a cada ano. A preocupação com a questão é tanta que neste mês, em Astúrias, na Espanha, será realizada a “Conferência Internacional da OMS sobre Determinantes Ambientais e Ocupacionais de Câncer – Intervenções para Prevenção Primária”. O objetivo é revisar políticas e incentivar ações para reduzir a exposição ambiental e ocupacional a agentes cancerígenos.

“A prevenção primária, ou seja, evitar a exposição é a abordagem mais importante. Exames para diagnóstico são essenciais, para fins de tratamento – particularmente a detecção precoce – e de compensação. Porém, não podem mudar o fato de que o trabalhador já tem câncer. Os tomadores de decisão em vários níveis devem estar cientes de que o custo do câncer em sofrimento humano é incomensurável, e em termos econômicos, imenso. É muito melhor e mais humano gastar em prevenção do que em tratamento”, avalia a higienista ocupacional, Berenice Goelzer.

Fonte: Revista Proteção

Fonte: Doenças Ocupacionais – O trabalho pode ser determinante para a ocorrência de câncer