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Acidentes de trabalho – Hora de atitudes concretas

11 novembro 2011

Editorial do jornal Correio Braziliense desta terça-feira, 8 de novembro, encerra uma série de reportagens que, por três dias, trouxe os estarrecedores números de acidentes de trabalho no Brasil e suas conseqüências econômicas e humanas. Foram relatadas histórias reais de famílias que perderam entes queridos e as sequelas que ficaram além da dor da perda. Também foram apresentados os gastos decorrentes dos acidentes, como pagamentos de benefícios por parte do governo e as despesas das famílias com medicamentos e tratamentos. O governo se esforça para recuperar uma parte do que considera perda, quando a negligência do empregador é comprovadamente a causa dos acidentes.
A Auditoria-Fiscal do Trabalho tem papel fundamental neste contexto e cenário. Responsável pela fiscalização do cumprimento das Normas Regulamentadoras de Segurança e Saúde no Trabalho e da legislação trabalhista em geral, tem sido prejudicada pelo pequeno número de Auditores-Fiscais do Trabalho em atividade – hoje cerca de três mil, mesmo com o reforço obtido pela nomeação de mais 220 aprovados no concurso público, depois de muita pressão do Sinait. O quantitativo insuficiente impede que a fiscalização chegue a todos os locais de trabalho, cumprindo o papel preventivo e punitivo que lhe é atribuído pela Constituição Federal. É imperativo, portanto, fortalecer o quadro de Auditores-Fiscais do Trabalho, que verificam in loco as condições dos ambientes de trabalho, realizam trabalho de prevenção e puni� �ão, e ainda subsidiam a Justiça com relatórios e laudos de causas de acidentes no caso de ações regressivas para ressarcir gastos do INSS.
Porém, outras medidas precisam ser tomadas ao mesmo tempo, como impor regras e penas mais rígidas aos empregadores que não cumprem a lei. Consequências econômicas e jurídicas devem advir da violação dos direitos dos trabalhadores, de forma rápida e contundente. Tornar obrigatórias as diretrizes do Guia de Análise do Acidente de Trabalho editadas pelo MTE, como sugere o editorial do Correio Braziliense, pode ser um bom começo. Campanhas permanentes também são um instrumento que chega a milhões de pessoas e disseminam a informação.
O assunto está na ordem do dia, mobilizando o Judiciário com a campanha do Tribunal Superior do Trabalho, e, de certa forma, pressionando o Executivo, que nesta terça-feira lançou a Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho – PNSST, publicada no Diário Oficial da União, envolvendo os ministérios do Trabalho e Emprego, da Saúde e da Previdência Social. O Sinait também prepara sua campanha institucional sobre a prevenção de acidentes, tema aprovado no 29º Encontro da categoria, em Maceió. É hora de abrir os olhos para o problema e enfrentá-lo com coragem e atitude.
Veja, abaixo, o editorial e outras reportagens do Correio Braziliense sobre o tema.
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8-11-2011 – Correio Braziliense
Visão do Correio: Prevenção a acidentes de trabalho
Os números assustam. Mas são reais. Por dia, cerca de 2 mil brasileiros sofrem acidentes no exercício da atividade profissional. Deles, 43 não retornam ao trabalho. Duas causas explicam o afastamento definitivo — a morte ou a incapacidade. Pior: é certo que os dados estão subestimados. O Ministério da Previdência Social, que dispõe das informações mais confiáveis sobre o assunto, só registra as ocorrências que envolvem empregados com carteira assinada (informadas pelas empresas) e as identificadas no momento da concessão de benefícios acidentários.
Ora, considerando que informais, autônomos, domésticos e funcionários públicos estão fora das estatísticas oficiais, procede a inferência de que a cifra ultrapassa — e muito — a registrada pelo governo. Mesmo sem eles, porém, a contabilidade envergonha as consciências civilizadas do país. Em 2008, houve 755.980 ocorrências. Em 2010, 701.491 — 7% menos. A aparente boa notícia, porém, traz informação preocupante: os casos de morte, que tinham caído entre 2008 e 2009, tiveram salto no ano passado — 2.712 vidas perdidas, 152 a mais que no ano anterior, que totalizou 2.560 perdas irreparáveis.
Outro fato merece atenção. Dos casos comunicados pelas empresas (525 mil em 2010), 415 mil — a maior parte — são os classificados como típicos. Em bom português: os inerentes à atividade que ocorrem durante a jornada de trabalho. Previsíveis, seriam evitáveis mediante a implantação de medidas eficazes de prevenção. Mutilações ou morte no exercício da atividade é atestado incontestável de subdesenvolvimento. Impõe-se mudar procedimentos que imperam nas relações de trabalho.
Além de equipamentos seguros, treinamento constante e campanhas educativas, é necessário rever as normas obrigatórias de segurança e saúde. Recentemente, o Ministério do Trabalho editou o Guia de análise do acidente de trabalho. Dirigido a empresas e auditores, reúne diretrizes para análise de acidentes em serviço, classificados em fatais, graves e com envolvimento de crianças e adolescentes. Inclui também os relacionados ao meio ambiente. Entre eles, os prejuízos causados por ruído, chumbo metálico, poeira e benzeno.
Lamentavelmente, porém, faculta-se às empresas seguir as normas apresentadas. É importante torná-las obrigatórias. O governo e o Congresso não podem mais fechar os olhos à urgência dos fatos. Têm de rever as regras de segurança. Regulação clara tem dupla vantagem. De um lado, leva as empresas a observar com rigor os procedimentos de segurança. Evitam, assim, os prejuízos causados a si mesmas e à sociedade. De outro, o mais importante, poupa vidas, preserva a integridade física e a dignidade do trabalhador.

8-11-2011 – Correio Braziliense
Crianças mutiladas
Ana D”Angelo
– Três se acidentam por dia no trabalho Pelo menos 37 menores de até 17 anos morreram desde 2009 dando duro para ganhar o próprio pão
Crianças e adolescentes com as mãos cortadas por facas. Vários deles estampam na pele queimaduras de solda de bijuterias e um grupo chora pela perda de órgãos esmagados por cilindros de padaria. Outros são precocemente diagnosticados com doenças decorrentes de exposição a agentes como poeira e benzeno. Sofrem ainda com lesões por esforço repetitivo, distúrbio osteomuscular (Dort) e até transtorno mental. Esse é mais um lado cruel de uma tragédia que atormenta o país. Pelo menos três menores de até 17 anos se acidentaram por dia trabalhando no Brasil nos últimos dois anos e meio, quase todos na informalidade. Entre 2009 e julho de 2011, no mínimo 37 meninos morreram dando duro. Um deles não tinha 13 anos ainda.
Isso é só uma amostra do que anda acontecendo, pois as estatísticas são precárias. Os dados referentes a acidentes com menores foram coletados pelo Ministério da Saúde a partir de comunicação de hospitais e postos de atendimento. “A subnotificação é elevada. A quantidade de acidentes envolvendo trabalhadores, principalmente os menores, é muito maior do que se tem conhecimento”, afirma a médica e especialista em saúde pública Maria Maeno, pesquisadora da Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro).
Pelo menos 4.190 menores se acidentaram entre 2006 e julho de 2011, a maior parte no estado de São Paulo, entre os quais 21% são meninas. Desse total, 60% (2.487) dos acidentes foram identificados nos últimos dois anos e meio pelo Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), implantado pelo Ministério da Saúde em 2003 para acompanhar a ocorrência de determinadas doenças e acidentes. Na faixa de idade até 13 anos, o Distrito Federal aparece em segundo lugar, com 18 menores acidentados. A partir dos 14 anos, Minas Gerais e Paraná seguem na lista dos estados com mais acidentes.
Vulneráveis
A pesquisadora chama a atenção para uma realidade cruel: os menores que começam a trabalhar cedo são os mais vulneráveis, mesmo quando adultos. “A partir dos 20 anos, espera-se que estejam na plenitude física e psíquica para trabalhar, mas carregam dentro de si um desgaste tão grande porque já trabalham há muito tempo, o que os torna mais propícios a sofrer acidentes”, lamenta Maria Maeno. Para ela, o governo e a sociedade civil precisam se debruçar com mais profundidade sobre o problema.
Ela lembra que 39% da população ocupada começa no batente antes dos 14 anos e 77%, entre 15 e 17 anos, de acordo como dados da Pesquisa de Amostragem por Domicílio (Pnad) de 2009, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo a pesquisadora, os menores são requisitados para trabalhar em lanchonetes de fast-food, em fábricas de bijouterias e de malas e bolsas, onde estão sujeitos a cortes, queimaduras, tendinites e outras lesões por esforço repetitivo. “Há pequenos acidentes com essa população, com problemas na voz, LER e transtornos psíquicos”, conta a médica. No trabalho com bijouterias, diz, foram identificadas adolescentes com queimaduras nas mãos e pernas: “A soldinha caía no colo das meninas”.
Atividades
Os dados do Ministério da Saúde indicam que as principais vítimas de acidentes na faixa até 17 anos, entre 2006 e 2011, são atendentes de lanchonetes, embaladores, repositores de mercadorias, auxiliar de escritório em geral, pedreiros e serventes de obras, mecânico de veículos, operadores de máquinas, açougueiros e trabalhadores na lavoura. Outros aparecem como estudantes no cadastro elaborado a partir de dados enviados pelos postos e estabelecimentos de saúde, sem especificação da atividade.
A pesquisadora da Fundacentro destaca que a maior parte dos trabalhadores que se acidenta tem renda de até dois salários mínimos, está em atividade de risco e, normalmente, sofre acidentes mais graves — fatais ou que causam mutilação. Maria Maeno lembra ainda que os trabalhadores terceirizados também estão no grupo mais vulnerável. As chances de eles se acidentarem é de até cinco vezes maior que os contratados diretamente, segundo o Departamento Intersindical de Estudo Socioeconômico e Estatística (Dieese).
A cada 10 acidentes conhecidos no Brasil, oito são com terceirizados, que correspondem a 25% do mercado formal de trabalho. Isso ocorre, segundo os sindicalistas, porque a cobrança por resultados é maior, o treinamento é menor e o cumprimento de normas de segurança, menos observado e fiscalizado.
Ações de cobrança
O Tribunal Superior do Trabalho (TST) expediu recomendação, no fim de outubro, para que desembargadores dos Tribunais Regionais e juízes do Trabalho encaminhem às respectivas unidades da Procuradoria-Geral Federal cópias de sentenças ou acórdãos em que foi reconhecida a culpa do empregador em acidente no serviço. O objetivo é subsidiar eventuais ações de cobrança das empresas pelas despesas da Previdência Social com benefícios acidentários às vítimas e aos seus dependentes. Conforme informou ontem o Correio, a PGF acelerou o ajuizamento dessas ações regressivas desde 2008. Foram no total 1.572 demandas no período. Entre 1991 e 2007, somaram apenas 261. A maior parte é proposta a partir de laudos de análise dos acidentes feitos por auditor es fiscais do Ministério do Trabalho.

6-11-2011 – Correio Braziliense
“Tá vendo aquele edifício, moço?”
Ana D”angelo
7 mortes por dia. Acidente de trabalho dizima famílias
O marido de Marta Ana não teve a chance de dizer que ajudou a levantar o novo prédio do TSE, em Brasília. José Alves morreu ao cair de uma plataforma de sete metros de altura. Só, a mãe se angustia para criar os três filhos. Assim como José, em média sete brasileiros saem para trabalhar e não voltam. Morrem em acidentes no serviço
Drama dos brasileiros atingidos por tragédias no emprego é muito mais forte que a frieza das estatísticas
“Tá vendo aquele edifício, moço? Ajudei a levantar. Foi um tempo de aflição, eram quatro condução, duas pra ir…”. Em 20 de janeiro deste ano, a música não terminou para o servente de obra José Moraes Freitas, de 54 anos. Ele não pegou as duas conduções de volta para casa. Quatro horas depois que o ônibus o deixou próximo à obra do novo prédio do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), tocada pela construtora Via Engenharia, a plataforma onde ele trabalhava a sete metros de altura cedeu. O colega que estava junto ainda tentou agarrá-lo pela mão, mas não aguentou. E José caiu. Levado com vida ao hospital, morreu horas depois, sem atendimento, à espera de uma vaga na UTI.
Dez meses depois, sentada no sofá da casa humilde e silenciosa em Águas Lindas de Goiás, cabeça baixa, Marta Ana, 43, viúva de José, tem o olhar fixo num canto da sala da casa, que ele comprou ainda solteiro. Ela está ficando cega. Só enxerga vultos de objetos e das pessoas. À rua, não pode sair sozinha. “A vida virou do avesso”, diz, inconformada e incrédula em muitos momentos. Os dois filhos do casal, Oziel, 11, e Micael, 10, são muito pequenos para entender a falta que o pai fará em suas vidas. Choram escondidos à noite, na cama, de saudade. Não sabem que o pai virou estatística de acidentes de trabalho fatais no Brasil.
A cada dia, quase 2 mil trabalhadores como Freitas se acidentam defendendo o pão da família. Desses, 43 não retornam mais ao batente, ou porque ficaram incapacitados para sempre, ou porque morreram. Dados divulgados pelo Ministério da Previdência Social, o órgão que dispõe de informações mais confiáveis sobre essa faceta dramática do trabalho brasileiro, trazem uma boa e uma má notícia. A quantidade de acidentes em geral vem em queda desde 2008, quando houve 755.980 ocorrências. Em 2010, foram 701.496 — 7% menos. Mas os casos fatais, que tinham caído entre 2008 e 2009, voltaram a aumentar no ano passado: 2.712 pessoas — em média, sete por dia — perderam a vida trabalhando, 152 a mais que nos 12 meses anteriores, quando o total de mortes foi de 2.560.
Também têm crescido os acidentes durante o trajeto de ida para o serviço e de volta para a casa, conforme os indicadores fornecidos pelas empresas por meio da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), que é obrigatória. Em 2008, foram 88.742 e, em 2010, 94.789, 7% a mais. A Previdência, no entanto, contabiliza em torno de 200 mil por ano os casos que não são comunicados, mas são identificados e classificados como acidente pelos médicos peritos e funcionários do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) quando o segurado pede o benefício. A falha é que o órgão não os classifica por motivos.
Indenizações

O número das vítimas que se machucam e morrem enquanto trabalham, porém, é bem maior. Os dados da Previdência só anotam os casos de empregados registrados ou que venham a comprovar o vínculo empregatício, que geraram o pagamento de algum benefício decorrente de acidente, como auxílio-doença, auxílio-acidente, auxílio-suplementar, aposentadoria por invalidez e pensão por morte. Há muitas ocorrências que não são comunicadas, pois os empregados ficam afastados temporariamente com salário pago pelas firmas, sem recebimento de benefício previdenciário.
Ficam de fora também das estatísticas os acidentes envolvendo os demais trabalhadores brasileiros — autônomos, profissionais liberais, servidores públicos, empregados domésticos e todos aqueles que atuam na informalidade nas cidades e nas lavouras. Eles representam 60% da força de trabalho. O drama fica maior ao se constatar que boa parte desses profissionais exerce suas obrigações com muito menos segurança que os empregados formais, para os quais o governo exige cumprimento às normas mínimas.
Mesmo entre os trabalhadores com carteira assinada, é comum o desrespeito às poucas regras  existentes. Quando caiu da plataforma que cedeu em janeiro deste ano, o operário José Freitas não estava com o cinto de segurança obrigatório do tipo paraquedista, conforme apontou o laudo pericial da Polícia Civil. Em casos assim, a morte é praticamente certa.
Pressão alta

José foi substituído logo por outro operário na obra. A 54 quilômetros dali, no entanto, o destino de uma mãe e seus filhos era revisto, para pior. Os menores Oziel e Micael tiveram de mudar de escola, pois chegavam chorando por causa dos comentários dos coleguinhas sobre o fato de o pai deles “ter despencado do alto”. Desde a morte de José, as notas do mais velho pioraram. As de Micael já eram baixas, pois ele tem dificuldade de fala e, por isso, aprende pouco nas aulas.
A mãe começou a tomar remédios para pressão alta, e as noites de insônia passaram a ser comuns. Com a visão sumindo, e sem o companheiro que fazia os reparos na casa e cuidava da organização das contas, das compras e dos filhos, Marta teme o futuro incerto. “Não consigo mais dormir direito. A preocupação passou a ser minha companheira.”
Solteirão, tímido e reservado, José conheceu Marta, servente de escola, e se apaixonou por ela 11 anos atrás. Criou como seu o garoto Thiago, então com 6 anos, o filho que Marta já tinha — hoje com 18 anos. Não sem muita razão, os dois meninos nascidos quando quarentão eram a grande alegria de José. Pai amoroso, para onde ia, nos dias de folga, levava as crianças consigo. Jamais imaginou deixá-las tão cedo e tão necessitadas da sua presença. “Ele sonhava em vê-los formados”, relembra ela, que recebe pensão de R$ 800 do INSS deixada pelo marido. Agora, parte do futuro de Oziel e Micael repousa em um gabinete da Justiça do Trabalho em Brasília, onde corre a ação pedindo a indenização pela morte do pai.
Serviço arriscado
Ana D”Angelo
Oficinas e comércio fazem mais vítimas
Líder histórico do ranking que envergonha o país, o setor da construção civil cede lugar a atividades não industriais
No último dia do mês de maio deste ano, numa casa muito humilde em Santo Antônio do Descoberto (GO), o despertador tocou mais uma vez às 4h30. João Alves da Cruz Júnior, 38 anos, acordou, arrumou-se silenciosamente e foi correndo para o ponto de ônibus. Às 7h30, estava na obra de um prédio em Águas Claras. Tomou o café da manhã oferecido pela construtora com os companheiros de trabalho e foi para o batente. Estava animado naquele dia. Não via a hora de receber o salário de R$ 600 para fazer as compras do supermercado para a mulher, Maria Sileide, 35, e os quatro filhos — Patrick e Pablo, gêmeos de 8 anos, Pablício, 5, e Priscila, 2 — que deixou em casa ainda dormindo.
Antes que o sol caísse naquele dia e ele enchesse a despensa, João Cruz, pernambucano de Salgueiro, estaria morto. Ele despencou às 11h16 do quarto andar de uma obra em Águas Claras da construtora A&A enquanto montava um andaime. Morreu na hora. Depois de 10 anos juntos, Maria Sileide se viu sozinha com as quatro crianças na casa onde moram de favor. Não trabalhava, por vontade do marido, para cuidar do lar e dos filhos. O salário de João era a única renda da família.
Agora, ela está à espera da pensão do INSS para encher as caixas e se mudar para Anápolis, onde moram duas irmãs. Por enquanto, tem recebido R$ 600 da construtora e uma cesta básica. “Já avisaram que vão suspender quando sair a pensão”, conta. Na carteira, o salário do operário era de R$ 605 brutos. “Mas ele recebia R$ 300 por fora”, diz ela.
Em Anápolis, Maria Sileide tentará educar os meninos com a ajuda das irmãs. Enquanto espera ansiosa o benefício do INSS, pois teme ficar sem dinheiro a qualquer momento, ela anda preocupada com Pablício, que se tornou agressivo. “Está teimoso e respondão. Não quer ir para aula”, relata, chateada. Os gêmeos ficaram mais calados desde então. O momento mais difícil, conta, tem sido quando o relógio bate 19h. Meia hora depois era certo que o pai entraria em casa. “O difícil é acreditar. Sempre fica a esperança de que ele vai abrir a porta e que tudo o que passou foi apenas um pesadelo”, deseja. Mas a realidade reservou a Maria o destino de criar os quatro filhos pequenos sem o pai por perto.
Levantando paredes

Locomotiva do atual crescimento econômico, a construção civil é a atividade que mais mata trabalhadores.
Em 2009, últimos dados disponíveis, 395 operários morreram levantando paredes. Na contramão dos indicadores de acidentes no país, que apontam redução, na construção, as ocorrências crescem a cada ano. Em 2007, foram 36,5 mil casos registrados pela Previdência em todo o país. Em 2008, saltaram para 52,8 mil e, em 2010, já tinham alcançado 54,6 mil. A explicação da indústria para o aumento dos acidentes é a maior quantidade de obras no país.
Apesar dos números negativos da construção civil, desde 2009, a indústria em geral deixou o posto de campeã de acidentes no país.  Impulsionado pelo crescimento econômico, e responsável pela maior parte das vagas geradas nos últimos anos, o setor de serviços assumiu a liderança entre os trabalhadores que mais se acidentam, com 340.681 ocorrências em 2009 e 331.895 em 2010. A indústria registrou 321.171 e 307.620 casos, respectivamente.
Os estabelecimentos de revendas de carros e oficinas mecânicas são os responsáveis pelo maior número de acidentes na área de serviços — um total de 95,5 mil no ano passado. Em seguida, vêm as atividades de armazenagem e transporte de mercadorias, com 51.934 ocorrências, que também são a segunda colocada em número de mortes.
Irregularidades

 

Zilda Valentino dos Santos, 37 anos, não acreditou na notícia que passava na tevê de sua casa, em Planaltina de Goiás. Seu companheiro de quase 20 anos, Lourival Leite de Moraes, 46, estava entre as três vítimas do soterramento ocorrido na obra do Hospital Universitário da Universidade de Brasília (UnB) em 20 de julho deste ano. Quatro meses antes, o Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil havia denunciado à Delegacia Regional do Trabalho irregularidades nos andaimes e falta de material de segurança.
Da noite para o dia, a vida de Zilda e dos filhos, Vinícius, 13, e Iara, 8, desestruturou-se. Ela trabalha como auxiliar de serviços gerais num hospital na Asa Sul, noite sim, noite não. Iara fica com uns parentes. Mas não tem lugar para o menino. O jeito foi pagar um  vizinho para dormir na casa com Vinícius. Essa situação não agrada a mãe. Por ora, é o que pode fazer. Antes, ela saía tranquila para o trabalho, pois o marido ficava com as crianças. Agora, convive com a ausência dele e a preocupação com os filhos.
Lourival não está mais presente, mas tudo na casa tem o seu dedo. Acostumado com obras, era ele quem fazia os reparos. Zilda não faz mais coisas simples sem ele, como as compras de alimentos do mês, uma festa para a família. Ela passou a adquirir tudo picado, quando precisa. A vida para os Moraes perdeu a graça.

Veredicto: culpado
Ana D”Angelo
Responsabilidade recai sobre trabalhador
Família não se conforma com a decisão da Justiça, que, na maioria dos casos, aceita análises superficiais
Durante quase 20 anos, de segunda a sábado, José Arnaldo Vargas, 49 anos, trabalhou como instalador de acessórios numa concessionária de veículos em Brasília. Nunca sofrera qualquer acidente. Chegou a integrar a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa) da empresa por dois anos. Em 9 de fevereiro de 2007, ele foi enterrado com o veredicto de culpado. José Arnaldo morreu ao ser atingido pelo veículo que consertava junto com um colega, ao despencar do elevador eletromecânico que o sustentava no alto.
Os peritos da Polícia Civil concluíram que o equipamento funcionava regularmente e que a culpa foi de Vargas, que não verificou, “no início do içamento”, se o veículo estava bem posicionado no elevador. Não foi considerada, na perícia, a técnica do trabalho, que implica forçar o veículo para baixo ao colocar as peças, o que Vargas e o outro funcionário fizeram naquele dia. A Justiça do Trabalho acolheu a defesa da concessionária Disbrave com base no laudo da Polícia Civil, atribuindo “culpa exclusiva” à vítima, e negou a indenização por danos morais pedida pela família.
A busca da culpa do funcionário pelas tragédias ainda é a prática na análise dos acidentes, e é aceita pela Justiça, mas está ultrapassada do ponto de vista do conhecimento científico, diz o médico do trabalho e doutor em saúde pública Ildeberto Muniz de Almeida, professor da Universidade do Estado de São Paulo (Inesp). “Essa visão tradicional, que centra a explicação do acidente na pessoa da vítima, é individualizadora, reducionista”, denuncia.
O auditor-fiscal do trabalho na Superintendência Regional do Trabalho e Emprego em Fortaleza Mauro Khouri critica esse modelo de análise centrado na noção do ato inseguro. “Um grande número de acidentes está resumido nisso: de que o funcionário não prestou atenção. Mas não se pode estabelecer um sistema de segurança baseado na atenção da pessoa. Tem que haver outras medidas de proteção coletiva”, alerta.
Controle
Para o médico e professor da Unesp, essa visão tradicional inibe a prevenção, porque a origem do problema permanece. Pressupõe que o trabalhador faz o que quer, que poderia fazer de outro jeito e que tem o controle absoluto da situação, dos meios disponíveis, dos materiais necessários, o que não é verdade. “Isso significa pensar também que as condições do ambiente em que se dá o trabalho nunca mudam. Mas elas são variáveis, conforme a época, a quantidade de pedidos e a demanda, a disponibilidade de material, entre outros fatores”, destaca Almeida. Ele afirma que não é mais possível encontrar casos de acidentes explicados pela culpa exclusiva da vítima.
Na maioria das vezes, alerta Almeida, é graças ao conhecimento que o trabalhador tem para lidar com essas mudanças — a matéria-prima que não está agarrando no equipamento, a máquina que não funciona direito — que ele consegue identificar o problema, corrigi-lo e evitar o acidente. “Ninguém vê, ninguém valoriza o não-acidente”, diz. “O certo é que a gestão de segurança deveria explicar as razões pelas quais o trabalhador fez a tarefa sempre com sucesso e não deu certo daquela vez, no lugar de julgá-lo e culpá-lo”, afirma o médico.
Em sua avaliação, na maior parte das falhas, estão constrangimentos na organização do trabalho, a necessidade de execução da tarefa em prazo curto ou o surgimento de um problema novo em dado momento, no qual o trabalhador perde a compreensão do que está acontecendo. Para o especialista, no caso da morte de Vargas, a pergunta que deveriam fazer é: “Por que não aconteceu antes?”
Khouri explica que os servidores do Ministério do Trabalho estão orientados a investigar o acidente em todos os seus aspectos e não apenas se a máquina está funcionando ou não. “É preciso descobrir o que contribuiu para o acidente acontecer. Compreender que há fatores diversos, imediatos, intermediários, subjacentes e até latentes, que explicam o ocorrido, que envolvem a organização da empresa, o gerenciamento e a gestão de pessoal, de materiais, de segurança, entre outros pontos.

http://www.sinait.org.br/noticias_ver.php?id=4362

Fonte: Acidentes de trabalho – Hora de atitudes concretas